Vida como Obra
Sou artista visual, estudiosa e apaixonada por estudos urbanos, artes urbanas e audiovisual.
Meu interesse pela cidade surgiu através da minha atuação em arte urbana (Lei Municipal de Florianópolis nº 3.255/89), que pode ser visualizada em Arte Fora do Museu. Interagindo no âmbito público, senti necessidade de buscar maior conhecimento dos autores do Urbanismo. Nessa busca, ingressei no Mestrado de Arquitetura e Urbanismo e História da Cidade (UFSC), com a pesquisa Arte Pública em Florianópolis: a Praça XV Como Lugar Praticado, concluída em 2009.
Prossegui no doutorado, investigando a cidade na literatura e no cinema, que deu origem ao livro “Rio de Janeiro e Paris: A Juventude Apache do Cinema na Periferia”, da Editora Autografia.
Também escrevi e dirigi os curtas-metragens: BRANCURA. Brasil, cor, 15 minutos, 2016. RIO DE JANEIRO E PARIS podcast sobre o livro. Brasil/ França, cor, 8 minutos, 2015. DA JANELA. Brasil, cor, 15 minutos, 2009. A PRAÇA XV COMO LUGAR PRATICADO. Brasil, cor, 8 minutos, 2009.
Utilizo esse espaço para refletir um pouco sobre minha experiência com as artes visuais.
GERAÇÃO MASC “Arte, Mito e Cura”
Minha produção em arte urbana é marcada, ao princípio, por MARCOS ESCULTÓRICOS, sendo os desafios principais relacionados à escala e aos materiais empregados. A obra fundamental (Sem título, 1999) é feita em aço cortem e está localizada na Rua Luiz Delfino, na região central da cidade de Florianópolis. Dentro desse recorte, estão a maioria das obras S/título, produzidas até 2005, mas nele também está a obra que funciona como uma conclusão de minhas atuações até o presente momento, Para escutar a cidade (2017) na qual, por meio do título, evoco tanto um desejo como um sonho. O estímulo a projetá-la veio não só dos autores da História da Cidade, mas também do conceito de “generosidade urbana”, presente nos estudos de urbanismo, cursado no Programa de Pós-Graduação em Urbanismo, História e Arquitetura da Cidade (UFSC, 2006 de 2009), que passaram a me embasar para diversas novas propostas de Arte pública , considerando-a em uma perspectiva de sociabilidade e de humanização da paisagem. Com esses novos conceitos, passei a realizar diversos MOBILIÁRIOS URBANOS.
O primeiro mobiliário urbano foi a obra intitulada A Língua (2006), que, de certa forma, rompeu com o limite físico ao qual estavam confinadas todas as obras de arte (presas na edificação) , em virtude das determinações legais, o que pode ser considerado como uma importante contribuição para o aprimoramento da lei que permanecia em vigor. Essa obra teve bastante repercussão: A Língua recebeu Menção Honrosa por representar os avanços pretendidos pela referida Lei no 2° Seminário de Arte pública de Florianópolis, e no desenvolvimento do 16° Simpósio de Artes Plásticas “Experiências em Arte pública : Memória e Atualidade”, 2007 ocorrido em Porto Alegre-RS, José Francisco Alves assim se expressou: “Neste encontro, as estratégias de ‘invadir’ a cidade foram definidas como prioridade. A artista plástica Giovana Zimermann consegue implantar sua primeira obra em uma praça, totalmente financiada pelo setor empresarial a partir da aplicação da lei dos 2%. Neste seminário, as proposições estratégicas foram desenhadas na busca de expandir o conceito de Arte Pública até então praticado” (ALVES, 2007, p. 29). Ainda em 2007, ao ser contratada para realizar um projeto para um edifício, atuei sob uma larga calçada, já que nela haviam sido instalados fradinhos, mobiliário de aço usado como mecanismo para impedir que o local se transformasse em estacionamento. Optei por criar ali um ambiente urbano, e nele incluir algumas frases de autores do urbanismo sobre a ocupação da cidade. Como a obra de arte estava fora do edifício, para garantir sua permanência, foi necessário documentar junto à Secretaria de Municipal de Urbanismo e Serviços Públicos de Florianópolis (SUSP). Durante o processo de instalação, fui abordada por um morador que exigia a retirada dos bancos que compõem a obra, sob a alegação de que facilitaria a reunião de pessoas indesejáveis. Esse encontro marcou a relevância política do trabalho desde sua instalação, levantando questões como: Devemos continuar negando a rua e criando “ilhas urbanas”, cidades dentro da cidade? Assim, Ambiente Urbano (2008) é uma obra que simboliza uma preocupação com a criação de ambientes urbanos mais lúdicos e mais humanizados e deflagra uma importante questão para a cidade contemporânea, que é a negação da rua. Afinal, “de uma cidade não aproveitamos as suas sete ou setenta maravilhas, mas a resposta que dá às nossas perguntas” (CALVINO, 1990, p.44).
A primeira vez que li As Cidades Invisíveis, de Ítalo Calvino, fiquei encantada com Armila, a cidade delgada, despertando-me o desejo de construir uma instalação com tubulações, torneiras e vasos sanitários a céu aberto. Assim é Armila I, 2013. Uma obra de arte hi-tech, feita de tubos que crescem no jardim, como uma grande planta exótica, e que terminam em torneiras, chuveiros, registros; objetos do cotidiano, que apesar de possuírem referência dentro de seu quadro imagético próprio, podem ser apropriados pela arte de modo diferente, permitindo ao público ‘inventar’ – com arte e astúcia sutil – o seu próprio cotidiano. A segunda referência, para a criação de Armila I, é a obra Fonte criada em 1917 por Marcel Duchamp, foi inspiração para os três bancos, que parecendo “frutas tardias que permanecem penduradas nos galhos” (CALVINO, 1990), mas é também um mobiliário urbano, e, como tal, tem como principal finalidade a criação de um espaço de convivência para a cidade. O layout da calçada é a reprodução de parte da malha urbana, do centro de Florianópolis, levada para Jurerê, bairro da Ilha.
TEXTO URBANO marca meu interesse pela literatura, pela tradução de obras literárias em linguagem artística, escultórica (releitura). A cidade vista do alto, miniaturizada, é um texto urbano, uma imensa texturologia que se tem sob os olhos, como propõe Michel de Certeau, “um simulacro ‘teórico’ (ou seja, visual)” (CERTEAU, 2001:171). A calçada da obra de arte Armila I, foi inspirada na obra Poesia na calçada, 2007, a primeira da série TEXTO URBANO.
Em 2007 vislumbrei a possibilidade de recortar a malha urbana em um fragmento, que isolado produziu uma imagem, reproduzi o fragmento da malha urbana de Florianópolis intercalado com uma frase poética: “Num canto, guardam os passos e aguardam todos os caminhos” Rita De Cássia Alves. A poesia foi literalmente escrita em pedra portuguesa em uma calçada de 116 metros, na Rua Araci Vaz Callado, no Canto do Balneário do Estreito. “Tropeçando em palavras como nas calçadas, topando imagens desde há muito já sonhadas” (BAUDELAIRE, 1985, p. 319)
As poesias de Cruz e Sousa e de Charles Baudelaire foram relacionadas, respectivamente, em duas obras: a primeira intitulada: A metáfora do esgrimista (2011), localizada no Centro de Florianópolis; e a outra O Sol, 2016, Estreito.
O título da primeira, não apareceram na obra, somente embasa o processo criativo, simboliza o ato metafórico, de gravar poesias nas calçadas, anunciado por Baudelaire na poesia O Sol. Com a expressão o poeta desejava falar do duelo em que o artista se envolve, e ao mesmo tempo como artísticos os traços marciais. A poesia Aspiração, que Cruz e Sousa fez para Julieta dos Santos, foi gravado com jato de areia, na calçada na rua Ferreira Lima, 199, Centro. E parte dela, fundidos em duas placas de bronze (tampas de bueiros). “Enquanto tu fulgires nas alturas eu errarei nas densas espessuras da terra sob a rigidez do asfalto”; Em outra extremidade da calçada, um facho de luz rompe o solo, circundado pela continuação da poesia, “… Embalde o teu clarão me enleva e calma”. (Cruz e Sousa)
Na poesia O Sol, Baudelaire fala sobre a dificuldade de alguns artistas entenderem “quanto trabalho se requer para fazer com que de uma fantasia nasça uma obra de arte” (BAUDELAIRE apud BENJAMIN, 1994).
A poesia O Sol de Baudelaire, foi escrita em aço fundido em uma calçada labiríntica, localizada na rua Orlando Odílio Koerich, 210, Estreito. Nela dou prosseguimento na relação entre os poetas simbolistas, através de dois faróis cada um em um ponto da cidade. Foi a relação que encontrei para explicitar a inegável influência da intuição e lógica imaginativa de Baudelaire, na obra do nosso mais célebre poeta simbolista Cruz e Sousa. Além das poesias dos autores serem gravadas nas calçadas, no centro um facho de luz rompe o solo, circundado pelo título da obra O Sol. Além de poesias gravadas nas calçadas, ambas possuem faróis, que simbolizam a conexão entre os dois poetas simbolistas.
Todos esses conceitos e referências empregados ao longo desses vinte anos, exprimem a vontade de se fazer uma arte urbana que contribua para a construção de uma cidade mais harmoniosa, com aumento do espaço público, da superfície, da luminosidade e do conforto. Uma atitude concreta concedida ao cenário material, mas que, acima de tudo, contribui para o imaginário das pessoas, para o simbólico de uma cidade mais afetuosa.
Nesse momento de celebração dos meus vinte anos de pesquisas, projetos, sonhos acredito ser importante registrar essa história, organizando fotografias, textos, reflexões e depoimentos sobre essas obras, que exprimem a vontade de se fazer uma arte urbana que contribua para a construção de uma cidade mais harmoniosa, com aumento do espaço público, da superfície, da luminosidade e do conforto. Uma atitude concreta concedida ao cenário material, mas que, acima de tudo, contribui para o imaginário das pessoas, para o simbólico de uma cidade mais afetuosa.
Giovana Zimermann